Um agricultor paraibano de 47 anos foi transferido para o Recife para se submeter a uma cirurgia inédita no Brasil, segundo os médicos. Damião de Oliveira Bezerra perdeu a mão direita quando tinha 17 anos e, no ano passado, ficou sem os movimentos na mão esquerda. Nesta quarta (13), ele teve a mão esquerda reimplantada no braço direito. (veja vídeo acima).
Às 21h30 desta quarta, a equipe médica divulgou o boletim sobre o resultado da cirurgia de Damião. De acordo com o Hospital SOS Mão, o estado de saúde dele “é estável”.
“O transplante durou 14 horas. A equipe médica responsável pela cirurgia está acompanhando de perto e mantendo a vigilância constante nestas primeiras horas de pós-operatório”, informou o comunicado.
Triturador
Para a equipe médica, a história do agricultor marca um recomeço que foi possível por causa dos avanços da ciência.
Até o transplante, Damião dependia de ajuda para quase tudo. Tinha sempre alguém da família por perto. Ele perdeu a mão direita em um acidente em uma máquina de triturar ração de gado.
Na época, ele trabalhava em uma fazenda no município de Monteiro, no interior da Paraíba, onde mora. “Eu fui e passei a mão, sem ter experiência nenhuma, e pegou. Eu com uma luva né. Aí pegou meus dedos e quando pegou, puxou”, contou.
O homem, que é destro, precisou aprender a fazer tudo com a outra mão. Mas no ano passado, sofreu um acidente de carro. A orelha foi arrancada, quebrou o osso do ombro e perdeu os movimentos do braço esquerdo e da única mão. Ficou 28 dias internado.
“Eu não estava muito bem. Eu via que não estava muito bem. A gente escapa, porque Deus é mais. Mas eu estava desenganado. O médico já achava que eu não escapava. Eu não movimentava nada, todo inchado, nem me levantava da cama”, disse.
No hospital de Campina Grande, na Paraíba, ele passou por cirurgias na orelha e no ombro. Mas não conseguiu recuperar os movimentos do braço esquerdo e da mão. Já estava sem esperanças até que uma médica sugeriu que ele procurasse um cirurgião de Pernambuco, especialista em mãos.
Damião ficou impressionado com a sugestão que o médico deu e aceitou. “Ele vai tirar a mão esquerda e colocar aqui [na direita]. Eu estou querendo chegar lá e vou ver que vai dar tudo certo. Estou confiante que vai dar certo”, afirmou, antes do procedimento.
O procedimento foi feito de forma gratuita para o paciente, com todas as despesas bancadas pelo Instituto SOS Mãos.
O agricultor não via a hora de se sentir independente de novo. De recomeçar. De reaprender a viver. “Eu tive dificuldade quando perdi essa mão pra aprender com essa e vou ter que aprender de novo. Vamos dizer que eu vou passar a vida aprendendo né?”, disse.
A família apoia a decisão. “Ou tudo ou nada né? Não é a realizada? Mas Deus está no comando. Primeiro Deus, segundo o médico”, afirmou a irmã de Damião, Cláudia Valdenio Melo Silva.
Após a decisão ser tomada, Damião percorreu os 320 quilômetros da Paraíba para o Recife para se submeter ao procedimento. Depois, ele vai ter a chance de voltar a fazer atividades simples do dia a dia, como escovar os dentes sozinho de novo.
Como foi o procedimento
Sete cirurgias como esta foram feitas até hoje no mundo. A primeira delas no Brasil foi comandada pelos médicos Rui Ferreira e Mauri Cortez. O procedimento só ocorreu porque a mão esquerda do paciente tinha músculos ainda vivos.
A mão não mexia, porque os nervos do braço, que levam a informação do movimento, estavam lesionados. É o inverso do outro lado, que apesar de não ter a mão direita, os nervos e outras estruturas do braço estavam preservados.
De acordo com o planejamento do transplante, a mão esquerda foi retirada e colocada no braço direito. O polegar ficou para o outro lado.
Para segurar e dar sustentação à mão, foram usados fios de aço cirúrgico. Depois, teve início uma série de pequenas conexões.
Os médicos ligaram veias e artérias, para transportar o sangue para a mão. E nervos, que conectam tendões e ossos.
“Ele teve uma amputação há 30 anos, mas tem movimento, tem sensibilidade e vai fazer esse transplante de mão, que é inédito no Brasil”, afirmou o médico cirurgião de mão Rui Ferreira, em entrevista à TV Globo, antes de começar a cirurgia.
A equipe estava muito otimista. “No mundo todo o reimplante tem 98% de chance de ser normal. Depois que cicatrizar os tendões, em torno de três semanas, ele vai ter o abrir fechar mão. E os movimentos finos, ele vai ter quando os músculos que têm dentro da mão começarem a recuperar com os nervos que vão ser emendados”, destacou o especialista.
O transplante de mão de uma pessoa que morreu foi descartado pelo risco grande de rejeição. E o uso de prótese, que pode custar R$ 100 mil, não foi indicado para este caso.
“A prótese não substitui totalmente o membro que ele tinha antes. Ela não tem sensibilidade, não tem a força exata como a mão tem normalmente”, afirmou o médico e cirurgião de mão Mauri Cortez.
E ainda que pareça estranho, deixar o dedo polegar da posição inversa é o recomendado. “Isso não tem muito problema. Quando a gente vai ligar os nervos, é como se fosse lugar um aparelho elétrico. Vai ligar fio amarelo com amarelo, vermelho com vermelho, azul com azul, pra tudo dar certo e funcionar como funciona na outra mão”, disse Mauri Cortez.
Com G1