A grave crise política na qual o Brasil está mergulhado transformou Brasília num campo de batalha entre policiais e manifestantes que pedem a saída do presidente Michel Temer (PMDB) do poder e a sua substituição por meio de eleições diretas. Ao menos 49 pessoas se feriram nos confrontos ocorridos durante um dos maiores protestos que a cidade registrou desde o impeachment de Fernando Collor, em 1992.
Dezenas de milhares de manifestantes caminharam pelas ruas gritando “Fora, Temer”. Diante da violência que também resultou na depredação de ao menos sete ministérios, o presidente determinou que 1.500 homens das Forças Armadas passassem a fazer o policiamento de prédios públicos até o próximo dia 31 de maio. Ainda que os militares já tenham atuado em crises estaduais e durante os Jogos Olímpicos, é a primeira vez, na democracia, que a capital federal será policiada por militares. Antes, isso ocorrera apenas durante a ditadura militar (1964-1985).
Mais do que entregar a segurança aos membros das Forças Armadas, Temer decidiu que repetirá a dose sempre que julgar ser necessário. Um texto enviado pela Secretaria de Comunicação do Palácio do Planalto diz: “O Presidente da República ressalta que não hesitará em exercer a autoridade que o cargo lhe confere sempre que for necessário”. O comunicado frisa que, “assim que a ordem for restabelecida”, o ato será revogado.
Durante quase toda a tarde cenário nos arredores da Esplanada do Ministério era similar ao de uma guerra campal: colunas de fumaça negra tomavam os céus por conta de incêndios, bombas explodiam a todo momento, e pessoas corriam desesperadas para todos os lados. A reportagem flagrou dezenas de pessoas deitadas no gramado da Esplanada com ferimentos ou tentando recuperar o fôlego, após respirar grandes quantidades de gás lacrimogêneo.
O efetivo dispensado pelo Governo do Distrito Federal para a situação era visivelmente pequeno. Ao contrário de outros protestos, não houve a revista dos manifestantes que caminhavam pela Esplanada dos Ministérios e vários puderam se aproximar dos prédios com pedaços de paus, pedras, estilingues e escudos. Entre os oito ministérios depredados, dois registraram incêndios em suas salas: o da Agricultura teve o auditório queimado e o da Integração Nacional teve chamas em seu piso térreo.
Michel Temer acossado
Se do lado de fora do Congresso a temperatura estava quente, do lado de dentro as coisas não eram diferentes. Acossado pela delação de executivos da JBS e com um inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal por três crimes, Michel Temer resiste em renunciar ao cargo enquanto vê aumentar, a cada dia, o número de aliados abandonando sua base de apoio e o aumento das turbulências nas sessões. Logo que as bombas começaram, deputados e senadores da oposição começaram a denunciar o que chamavam de “violência da polícia” contra os manifestantes e tentaram adiar as sessões. A situação piorou quando chegou a notícia de que Temer havia autorizado o uso das Forças Armadas no Distrito Federal e que o ministro da Defesa, Raul Jungmann, afirmara que a medida foi tomada a pedido do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Maia, constrangido, paralisou a sessão e pediu uma reunião com os líderes do partido. Depois, saiu e se dirigiu à imprensa para esclarecer o que havia ocorrido: “Liguei ao presidente Michel Temer e pedi que ele encaminhasse a Força Nacional (formada por agentes da polícia militar) para cá, para que ela pudesse dar apoio à polícia do Distrito Federal para garantir a segurança dos prédios do Congresso Nacional e de seu entorno. O Ministro da Defesa veio a público dizendo que o decreto tinha sido um pedido meu. Não é verdade. Eu, inclusive, já pedi ao líder do Governo que pedisse ao ministro que pudesse esclarecer os fatos e recompor a verdade”, afirmou Maia.
“Se a decisão do Governo foi além da Força Nacional, esta é uma decisão que cabe ao Governo. Eu espero, inclusive, que hoje ainda o presidente possa pelo menos reduzir o prazo deste decreto. Se o decreto vale para a garantia da ordem na Esplanada dos Ministérios, as manifestações estão ocorrendo hoje e apenas hoje”, ressaltou ele, que considerou excessivo o prazo do decreto. O governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg, a quem a PM responde na capital, reclamou por não ter sido consultado e reprovou a adoção da “medida extrema”.
Questionado pelo EL PAÍS, o Ministério da Defesa não se pronunciou sobre a fala de Maia. A assessoria do órgão afirmou apenas que não havia homens suficientes da Força Nacional, por isso se decidiu pelas Forças Armadas. A pasta não afirmou, no entanto, qual o efetivo da Força Nacional que estava disponível. Das Forças Armadas, serão 1.300 militares do Exército e 200 fuzileiros navais atuando. Segundo a Defesa, esses militares só serão usadas nos prédios do Supremo Tribunal Federal (STF) e no Congresso Nacional mediante pedido dos presidentes dessas Casas. No Planalto, o Exército já faz a segurança rotineiramente. A diferença é que, agora, os agentes militares serão empregados também na segurança dos ministérios.
Quando viu as críticas crescerem diante da sua decisão de colocar as forças militares nas ruas, o Governo respondeu que essa mesma atitude foi tomada em outras ocasiões. Citou especificamente o evento Rio+20, a Jornada Mundial da Juventude, a Copa do Mundo, os Jogos Olímpicos Rio 2016, e varreduras aos prédios, durante o aquartelamento de Policiais Militares do Espírito Santo e na crise de segurança no Rio de Janeiro, no começo de 2017. A nota não cita, mas a lei, de 1999 e detalhada em portaria em 2014, também foi usada para garantir a segurança durante a passagem da tocha paralímpica em São Paulo em 2016 e foi evocada pelo Exército como salvaguarda legal para a atuação de um militar infiltrado entre manifestantes anti-Temer no mesmo ano.
Os esclarecimentos não acalmaram os ânimos no Congresso. Ao final de muita discussão, deputados do PT, PSOL, Rede, PDT, PSB e PCdoB deixaram o plenário da Câmara e se recusaram a continuar na votação, que prosseguiu o resto da noite. Antes do fim das sessões no Congresso, o senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP) protocolou no STF um mandado de segurança contra o decreto de Temer que autoriza o uso das Forças Armadas. A justificativa é que “tal medida excepcional só se mostra cabível quando esgotados todos os meios normais para o restabelecimento da lei e da ordem”.
Com Em País Brasil