Cariri se transforma em destino cultural com turismo de base comunitária e Renda Renascença

O cariri da Paraíba passou, nas últimas duas décadas, de território isolado por sua localização e clima, a destino reconhecido pela riqueza cultural e pelo turismo de base comunitária. Com o programa Pacto Novo Cariri, liderado pelo Sebrae/PB, atuando no território, esse movimento turístico teve início em 2008, no lançamento da primeira Rota Cariri que reunia apenas três cidades, Monteiro, Prata e Congo. Atualmente, o cariri tem nesse território a Cidade Mundial do Artesanato, Monteiro, com a chancela do Conselho Mundial de Artesanato pela Renda Renascença.

Esse reconhecimento surgiu a partir da criação do Centro de Referência da Renda Renascença (CRENÇA), dedicado à preservação e divulgação de um artesanato tradicional do cariri. Desde 2021, o local reúne mais de três mil rendeiras da região, é uma vitrine para a comercialização das peças, e espaço para capacitações, cursos, incluindo inovações tecnológicas para o artesanato.

A rendeira da cidade de Camalaú, Quitéria Pereira Mariano, mais conhecida como Nita, é uma delas e relembrou como era vender a renda Renascença antes do Pacto Novo Cariri. “Há muitos anos, a renda Renascença é confeccionada no cariri. Há cerca de 70 anos, as peças eram feitas para cama, mesa e banho, não existiam peças de vestuários e eram vendidas em Pernambuco. A confecção e comercialização eram feitas em condições precárias, onde as rendeiras montavam as peças muito à noite, porque elas eram donas de casa e agriculturas, antes de tudo”, recorda.

Nessa época, a renda Renascença era um complemento à renda principal de muitas casas, mas o dinheiro era muito pouco e doado à família, segundo Nita. “Muitas vezes, elas trabalhavam a noite toda, para no dia seguinte de manhã esperar o caminhão passar na estrada para levar a peça já pronta e ia vender em Poção ou em Pesqueira (PE)”, conta. A chegada do Pacto Novo Cariri foi inusitada para Nita e as rendeiras. “Foi quando tudo começou a melhorar. As transformações aconteceram: a valorização e tantas outras coisas que envolvem a cooperação entre governo, instituições e empresas”, declara.

Assim como esta ação, quase todas aplicadas no cariri paraibano durante esses 25 anos são formadas em parceria entre o Sebrae, Governo do Estado e as prefeituras. A proposta de desenvolver o turismo no cariri ganhou força em 2015, quando surgiu a Rota Cariri Cultural, integrando dez municípios em roteiros rurais, ecológicos e culturais.

Monteiro, Sumé, Congo, Caraúbas, Camalaú, São Sebastião do Umbuzeiro, Prata, São João do Tigre, Coxixola e Taperoá abriram suas portas para visitantes interessados em vivenciar a essência da região, que une natureza, tradições e mestres da cultura popular. Trabalhar a sustentabilidade e a economia criativa são os caminhos que foram trilhados entre os roteiros locais. Para a gestora de Turismo e Economia Criativa do Sebrae/PB, Regina Amorim, o cariri se transformou em referência pela capacidade de integrar empreendedores locais em um modelo global de manutenção da cultura e da natureza. “O turismo cultural no cariri é fruto da criatividade e da força do seu povo. A Rota Cariri Cultural mostrou que é possível gerar renda e oportunidades preservando a identidade local. É uma experiência que inspira outras regiões do Brasil”, destacou.

A gerente da agência regional do Sebrae/PB em Monteiro, Madalena Arruda, relembrou a criação desse produto associado ao turismo local. “A Rota Cariri Cultural foi sonhada em 2012, mas virou uma proposta de transformação do território através do Pacto Novo Cariri, olhando para as principais potencialidades e vocações do território”, relembra. A ideia não foi criar apenas uma sequência de pontos turísticos, mas uma experiência de imersão, conectando o viajante à essência da região e sensibilizando empreendedores e gestores para garimpar o que havia de melhor em um povo cheio de arte.

Cenários cinematográficos
Uma das cidades que mais promove o turismo no cariri há décadas é Cabaceiras, que se especializou enquanto “cenário natural” a partir do Pacto Novo Cariri. Com o desenvolvimento do turismo no cariri nessas últimas décadas, a cidade criou um roteiro cinematográfico que mostra cenários, urbano e rural, especialmente no Lajedo de Pai Mateus. De acordo com o Memorial Cinematográfico de Cabaceiras, a Roliúde Nordestina já gravou 52 produções, de 1921 a 2019. Depois disso, as séries “Cangaço Novo” e “Lampião e Maria Bonita” (2023), já foram gravadas neste município.

Com toda essa atividade turística, surge então o nome artístico de “Roliúde Nordestina”. O primeiro filme gravado lá em 1921 registrava a ferração de caprinos e foi dirigido por Antônio Barradas, segundo o ex-prefeito de Cabaceiras, Tiago Castro. Daí para os anos 2000, importantes filmes como “Madame Satã” (2002), “Cinema, Aspirinas e Urubus” (2005), além da telenovela global “Onde Nascem os Fortes” (2017) destacaram esses cenários, como também a grande estrela gravada nessa terra, o filme “O Auto da Compadecida”, adaptação de histórias do paraibano Ariano Suassuna.

Por outro lado, a cidade também realiza a festa do Bode Rei há 26 anos. Recentemente, reformou a Rota do Couro, muito focada na cadeia produtiva da caprinocultura, além de criar novas opções, como a Rota dos Lajedos, que mostra, além de Pai Mateus, o Bravo, a Salambaia, Gangorra, Saca de Lã, entre outros locais de formações rochosas impactantes.

Cariri dos mestres da cultura popular
A valorização da Renda Renascença, símbolo do artesanato do cariri, tornou-se um dos pilares do desenvolvimento local, assim como a música, a dança e a poesia popular. O trabalho do turismo no cariri tem mestres como Zabé da Loca, pifeira reconhecida internacionalmente, João de Amélia, do coco de roda chamado Mazurca, e o poeta Espedito de Mocinha, que lançou seu primeiro livro pela Rota Cariri Cultural em 2022.

Um dos guias turísticos da Rota em Monteiro, o Beato Vicente, já era um personagem de séries humorísticas produzidas no cariri, agora é reconhecido pelo empreendedorismo artístico na Rota.

Além desses mestres, a vegetação da caatinga também ampliou as possibilidades de atração de fluxo de visitantes, com trilhas ecológicas na Serra da Engabelada, no Congo, na Serra da Matarina, na Prata, na Laje das Moças, em Monteiro, além da valorização do patrimônio arqueológico das pinturas rupestres de Sumé e quase todas as cidades com marcas dos povos originários da região.

Esse olhar coletivo resultou em novos roteiros, como o Caminho das Águas e o Paraíba do Norte, que reforçam o turismo de base comunitária e a preservação ambiental. Outros produtos associados ao turismo, como o Festival Zabé da Loca e o Som nas Pedras em Monteiro, a Rota das Águas e o Carnaval Molhado em Congo e Camalaú e os pedais ecológicos, que reúnem centenas de ciclistas de todo o cariri, são alguns resultados de tudo o que continua sendo realizado no território.

O trabalho de desenvolvimento territorial do cariri chama a atenção também de pesquisadores, que se atraem pelas veredas culturais e turísticas. Um deles é o antropólogo da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Wilton Felipe de Oliveira, autor da pesquisa de graduação sobre a Rota Cariri Cultural, “Uma Perspectiva de Preservação do Patrimônio e Desenvolvimento Socioeconômico Através do Turismo Rural” (2023).

“A antropologia vê o desenvolvimento do cariri, por meio do turismo rural, com as ações integradas entre os atores. Neste caso, as ações institucionais entre Sebrae, prefeituras e agentes do turismo local, protagonizam juntos o que podemos chamar de ações integradas para o desenvolvimento da territorialidade turística”, detalhou o antropólogo. Felipe ressaltou ainda as potencialidades de cada localidade, como a Renda Renascença, as expressões artístico-culturais e toda a perspectiva que reuniu esses atores.

Saberes do cariri em evidência
Para quem vive o dia a dia das atividades turísticas no cariri, a transformação é visível. Josivane Caiano, empreendedora de Monteiro, recorda sua trajetória. “Eu faço parte da Rota Cariri Cultural desde 2015. Para mim, ela não é apenas divulgação, mas valorização dos saberes da nossa região. É um trabalho que faz os moradores da zona rural se verem de forma diferente e despertarem para aquilo que é nosso. Quem eu era antes e quem sou agora, depois dessas descobertas, é muito diferente. Eu tenho orgulho de fazer parte disso”, exclamou.

Já em Sumé, o empreendedor Madson Mário reforça como a integração trouxe novas oportunidades, contando a história dele como empreendedor da agência Sumé Geoturismo. “Conheci o amigo historiador Francisco Adriano, que também tinha as mesmas inquietações. Em 2019, demos o primeiro passo para nosso projeto, que foi uma visita à zona rural e fizemos catalogações, tanto das inscrições rupestres e paleontológicas, quanto as fazendas históricas”, contou o empreendedor.

Madson e Francisco conseguiram uma parceria para o primeiro curso de condutores de turismo do Sebrae/PB, além de colocar o município na Rota Cariri Cultural, após a pandemia. A primeira visita técnica para o roteiro de Sumé Aventuras nas Serras, do Agentes de Roteiros Turísticos (ART) do Sebrae, foi em 2021 e a Sumé Geoturismo estava na organização. O território de Sumé é o terceiro maior do estado e esse empreendimento também motivou o município a se inscrever no Mapa Nacional do Turismo, segundo Madson Mário.

O modelo de articulação territorial do Sebrae/PB, aliado à determinação dos empreendedores, consolidou o cariri como exemplo de turismo cultural e sustentável no Nordeste e no Brasil. “Quando pensamos a Rota, buscamos mostrar que o cariri não é apenas um roteiro turístico, mas um mergulho na nossa essência. O resultado é que hoje a região é reconhecida por aquilo que tem de mais autêntico: sua cultura, sua gente e sua arte”, concluiu Madalena Arruda.

Pacto Novo Cariri 25 anos – uma nova vida! Rumo ao futuro: empreendedorismo, colaboração, inovação e sustentabilidade
Nesta sexta-feira (26), o município de Monteiro sedia o evento comemorativo dos 25 anos do programa Pacto Novo Cariri, no Centro de Treinamento e Capacitação Educacional e de Cultura Alexandre da Silva Brito, a partir das 17h. A celebração será um momento para relembrar as ações e homenagear os atores responsáveis por transformar o cariri em referência no desenvolvimento sustentável.

Assessoria

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